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OMS: o engodo da Cobertura Universal de Saúde



Saúde para todos é um objetivo da Organização, mas as vias traçadas pelo Norte Global são tortas. Baseiam-se no endividamento dos países pobres e no incentivo à saúde privada. Movimentos sociais denunciam novas medidas do Conselho Executivo


Por People’s Health Dispatch | Tradução: Gabriela Leite


Durante a sessão da última semana¹ do Conselho Executivo da Organização Mundial da Saúde (OMS), a Cobertura Universal de Saúde² (UHC, na sigla em inglês) foi um dos temas centrais. O propósito original da OMS, ao introduzir o conceito, era aumentar o acesso à assistência médica e a proteção financeira para aliviar o peso de despesas com saúde. No entanto, conforme o diretor-geral Tedros Adhanom Ghebreyesus apresentava um relatório temático aos membros do Conselho, ficou evidente – mais uma vez – que as políticas baseadas na estratégia de UHC não estão conseguindo alcançar seus objetivos.


O acesso à saúde não apresentou uma tendência de crescimento; pelo contrário: ele estagnou desde 2019. Já a proteção financeira piorou. Apesar dessas falhas óbvias, há poucas indicações de que a agência de saúde da ONU e seus membros estejam considerando mudar a abordagem.


De acordo com o Movimento pela Saúde dos Povos (MSP), tal comportamento é baseado em uma interpretação completamente equivocada dos fatos. A OMS e seus estados membros continuam interpretando os maus indicadores da Cobertura Universal de Saúde como falhas na sua implementação, em vez de reconhecer que o problema está na estratégia. Em lugar de admitir que a UHC não levou os sistemas de saúde, especialmente do Sul Global, em direção ao acesso universal, e considerar planos alternativos para fortalecer os serviços de saúde pública, a OMS e seus membros anunciaram que intensificarão tais políticas.


A apresentação da UHC nas deliberações do Conselho Executivo é deficiente porque desvia completamente do ponto central das falhas do conceito. O MSP apontou, em seu comentário, que “o relatório da UHC também é notável por seus silêncios. O mais notável deles está no desafio do acesso a medicamentos essenciais a preços acessíveis dentro da estrutura política global atual”.


Um dos principais problemas associados à implementação da UHC está relacionado ao financiamento. Idealmente, o caminho para alcançar o acesso universal deveria exigir serviços públicos robustos capazes de fornecer o cuidado, financiados por recursos públicos. Infelizmente, a UHC tem prestado pouca atenção a esse aspecto crítico. Ao contrário, tende a favorecer a introdução de modelos de seguro de saúde, que até podem receber financiamento dos orçamentos públicos, mas acabam beneficiando principalmente empresas e provedores de cuidado privados.


Ao comentar sobre experiências com a implementação de políticas baseadas na Cobertura Universal de Saúde, a confederação sindical Public Services International (PSI) afirmou: “Os recursos públicos têm sido tremendamente inadequados. E os interesses do setor privado têm sido prejudiciais”. Como resultado, o Movimento pela Saúde dos Povos alerta que o acesso à saúde para os pobres permanece limitado, e há um crescimento significativo de um setor privado não regulamentado.


Para os sindicatos e movimentos populares, a introdução da Plataforma de Investimento de Impacto em Saúde é outra preocupação que decorre dos últimos documentos. O mecanismo, uma cooperação entre o Banco Africano de Desenvolvimento, o Banco Europeu de Investimento, o Banco Islâmico de Desenvolvimento e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, deve oferecer inicialmente US$ 1,5 bilhão em empréstimos e subsídios a países de baixa e média renda. Eles são destinados a financiar a expansão dos serviços de Atenção Primária à Saúde (APS) nesses países.


O problema com essa abordagem é que ela não rompe de forma alguma com o atual modelo baseado em dívidas que tem causado sérios impactos na saúde no Sul Global. Na verdade, as semelhanças entre o modelo proposto pela Plataforma de Investimento de Impacto em Saúde e os programas de ajuste estrutural financiados por empréstimos, que incluíram reformas prejudiciais aos sistemas de saúde, são preocupantes.


A PSI alertou que os empréstimos concedidos pela Plataforma aumentarão o fardo da dívida em países de baixa e média renda, colocando-os em uma situação ainda pior do que se encontram atualmente.


Falando em nome do grupo africano no Conselho Executivo da OMS, o delegado de Ruanda demonstrou preocupação semelhante. Muitos países já são forçados a gastar mais no pagamento da dívida do que em Saúde e Educação, afirmou. De acordo com os dados citados pelo grupo africano no Conselho Executivo, a mediana da relação dívida pública/PIB na África Subsaariana quase dobrou em menos de 15 anos: passou de 32% em 2010 para 57% em 2022.


Em vez de introduzir mecanismos que forcem países de baixa e média renda a contrair ainda mais empréstimos, na esperança de fornecer Atenção Primária à Saúde, os membros da OMS deveriam exigir o cancelamento das dívidas, abrindo assim mais espaço para os governos fortalecerem a APS em seus próprios termos, concordam MSP e PSI.


“A atenção básica não é um investimento rentável. O que os países de baixa e média renda precisam é do cancelamento de dívidas e novos acordos – não de mais dívidas em nome da APS e da UHC”, afirmou o MSP.


¹ O texto foi publicado originalmente em 26 de janeiro de 2024.


² Trata-se de um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável elaborados pela Organização das Nações Unidas (ONU). A ideia é garantir que todos os indivíduos e comunidades dos países membros tenham acesso aos serviços de saúde necessários, sem sofrerem dificuldades financeiras. Optou-se pela utilização da sigla em inglês para evitar cacofonia.


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