Por José Luiz Gomes do Amaral
O governo cubano vem de determinar o retorno imediato de mais 8 602 cubanos integrados no programa Mais Médicos do Brasil, 8301 deles em cidades brasileiras e 301 em distritos sanitários indígenas*. Essa iniciativa de Cuba, teve grande repercussão na mídia, gerando preocupação com eventual desassistência à saúde.
Entretanto, apenas nove dias decorridos do anúncio da retirada dos cubanos, o próprio Ministério de Saúde do Brasil informou que já se encontravam inscritos 25 901 médicos para substituí-los. Destes, 7 514 haviam completado o cadastro e escolhido o município onde atuariam. Noventa e dois por cento das vagas deixadas encontravam-se preenchidas por médicos portadores de diplomas regularmente obtidos ou revalidados no Brasil**.
Não surpreende a rápida resposta. O Brasil conta com 458 329 médicos em atividade (além de 329 escolas médicas, com mais de 30 mil vagas no primeiro ano) e muitas das vagas deixadas pelos cubanos a partir de 2014 eram previamente ocupadas por médicos brasileiros, demitidos à época da instalação do referido programa.
A real dificuldade subjacente à saída dos cubanos era o financiamento deste programa. No Brasil, aos municípios cabe a responsabilidade de arcar com os custos da atenção primária de saúde, enquanto o programa Mais Médicos é custeado pelo governo federal, assim desonerando os orçamentos das cidade.
O governo federal de então, politicamente alinhado com o regime cubano, encontrou no acordo, caminho para enviar recursos financeiros para Cuba e aumentar sua influência junto às prefeituras de considerável número de cidades. A pressão política destes municípios, tem contribuído fortemente para a manutenção da situação mesmo após a saída da presidente responsável pelo acordo em questão.
A iniciativa de Cuba, portanto, longe de ser um problema real, parece antecipar soluções, criando ambiente favorável para a correção dos rumos da assistência à Saúde no País.
Em realidade, o programa Mais Médicos desestruturou a formação em Medicina e o exercício da profissão médica no Brasil. Foi criado um número absurdo (123, desde julho de 2013) de escolas médicas, a maioria sem qualidade, oferecendo número de vagas incompatível com as dimensões do sistema de saúde brasileiro. O programa Mais Médicos permitiu que formados no exterior pudessem exercer Medicina no Brasil sem validação (reconhecimento) de diploma e que sua remuneração se fizesse sob a forma de “bolsa de estudos”, assim burlando a legislação trabalhista. O caso dos cubanos é agravado pelo desvio da maior parte de suas “bolsas” ao governo de Cuba. São estas algumas das distorções do controverso programa.
Em realidade, no Brasil não há falta de médicos, mas ausência de um sistema de saúde organizado e adequadamente financiado, livre das influências de interesses de grupos e viéses ideológicos. A saída dos cubanos traz oportunidade de substituí-los por médicos qualificados, redefinição do sistema público de saúde, sorte que ele possa atender pressupostos da Constituição brasileira: a saúde como direito de todos e, seu provimento, na universalidade e integralidade, dever do Estado.
*As razões alegadas pelo governo de Cuba para retirar os cubanos do programa foram declarações do presidente recém eleito do Brasil, definindo condições para futura permanência destes no País: validação do diploma de médicos, recebimento direto e integral da remuneração, e liberdade para trazerem seus familiares (hoje impedidos de acompanha-los ao Brasil). Entende-se que tais exigências visam estender aos cubanos no Brasil os mesmos direitos que protegem o cidadão brasileiro e, sobretudo, garantir a segurança dos pacientes por eles assistidos.
**Dois dias depois, 25/11/2018, o governo brasileiro anuncia que 96% das vagas haviam sido preenchidas.
José Luiz Gomes do Amaral é presidente da Associação Paulista de Medicina e ex-presidente da Associação Médica Mundial